Carmen Lícia Palazzo

DE MATTEO RICCI À MISSÃO FRANCESA: O ENCONTRO ENTRE OS JESUÍTAS EUROPEUS E O IMPÉRIO DO MEIO (SÉCULOS XVI a XVIII)
Carmen Lícia Palazzo


O presente texto é uma apresentação resumida de nossa pesquisa mais ampla sobre o encontro cultural entre jesuítas europeus com os chineses, em especial com a elite letrada do mandarinato confucionista e alguns imperadores, do século XVI ao XVIII.

O fascínio pela Ásia e as viagens de religiosos e mercadores ao Extremo Oriente, seguindo muitas vezes caminhos que posteriormente foram chamados de Rota da Seda, não era novo no início da chamada Idade Moderna. No período medieval Pian di Carpine, Guilherme de Rubruck, Marco Polo e Odorico de Pordenone não apenas se aventuraram na difícil travessia em direção a territórios distantes mas também deixaram relatos de grande valor histórico e antropológico sobre contatos com chineses, mongóis, tibetanos, uigures outros povos até então pouco conhecidos dos europeus. [Palazzo, 2011]

 A China imperial, porém, nunca se constituiu em terreno fértil para a atividade missionária já que era consciente de sua força, que lançava raízes em tradições milenares e numa eficiente estrutura hierárquica. O poder centralizado na Corte era exercido em toda sua extensão territorial, com a autorização do imperador, pelo mandarinato, elite letrada selecionada através de um rígido sistema de concursos. A solução que os jesuítas encontraram para a aceitação de suas atividades no interior do império foi tanto o aprendizado do idioma quanto a familiarização com os códigos de conduta daquela sociedade. E, como ponto de partida para suas atividades, foi importante a existência do enclave português de Macau, etapa inicial para contatos com os chineses e para o estudo da língua.

Os missionários que tinham como objetivo entrar na China continental faziam de Macau o ponto inicial de seu aprendizado, diferente dos padres que ali se fixavam para atender católicos portugueses e a alguns asiáticos convertidos. Longe de se constituir em um território exclusivamente europeu, Macau era multiétnica. Pequena em extensão, era povoada por chineses, portugueses, malaios, entre muitos outros mercadores e suas famílias. Dentre as diversas comunidades de religiosos católicos que ali se estabeleceram com o objetivo de dar apoio espiritual aos cristãos locais, a mais importante era a dos jesuítas, em “(...) regra geral juízes de paz de Macau e elite letrada nos contatos com as autoridades oficiais da Ásia Oriental.” [Barreto, 2006, p.137] Foi Macau que propiciou aos inacianos o aprendizado inicial sobre a China. Assim, quando a Companhia de Jesus decidiu que enviaria seus missionários para o interior do Império, a península macaense se mostrou um bom ponto de partida para o estudo do idioma e contato com os hábitos chineses [Palazzo, 2014, p. 13-31].

O pioneiro Matteo Ricci
A entrada de estrangeiros no interior da China era difícil, pois dependia de autorização do imperador. Entre os primeiros missionários jesuítas, destacaram-se os italianos Michele Ruggieri e Matteo Ricci. Ambos teceram excelentes relações com altos funcionários da Corte e, com habilidade, conseguiram permissão para deixar Macau e penetrar no interior do continente, onde estabeleceram missões em mais de uma cidade. [Ducornet, 2010, p. 25; p. 48-52] A parte mais importante da estratégia escolhida pelos inacianos para dar início a um bom relacionamento com os funcionários-mandarins foi o aprendizado da língua, no que Matteo Ricci se destacou [Zhu, 2010, p. 22-25].

Ricci viveu durante 28 anos na China, de 1582 até 1610, quando faleceu em Beijing. Durante muito tempo aguardou autorização imperial que também se fazia necessária para o estabelecimento na capital, o que nem sempre era permitido, mesmo para os que, como ele, já estivessem oficialmente instalados no interior do continente. A autorização foi conseguida somente em 1601 por influência de diversos relacionamentos que o missionário cultivou demonstrando seus conhecimentos e presenteando as autoridades locais com objetos europeus que não eram conhecidos na China.
O pesquisador Zhang Xiping enfatiza o interesse motivado pelo que era considerado “estranho” pelos chineses. Esta curiosidade favorecia os jesuítas pois suscitava diversos encontros com as autoridades, que sempre tomavam a iniciativa de procurá-los:

“Quando os chineses letrados começaram a se aproximar dos missionários, muitos deles o fizeram por curiosidade (...) relógios e prismas triangulares eram mostrados pelos jesuítas e jamais tinham sido vistos [pelos chineses]. Quando Michele Ruggieri e Matteo Ricci chegaram em Zhaoqing, o que atraiu o governador local foi justamente ambos os objetos. Em Nanjing, muitos oficiais e letrados foram visitar Matteo Ricci assim que souberam que ele havia levado coisas estranhas para a cidade.” [Zhang, 2009, p.38]

Em toda a história da missionação na China, fica muito claro que os europeus eram para os chineses o exótico por excelência, o Outro que causava estranhamento. No entanto, no caso dos jesuítas, pelo domínio do idioma e assimilação aos hábitos locais, tratava-se também do Outro que os surpreendia fazendo-se próximo. Com relação a Matteo Ricci, sua excepcional capacidade para o aprendizado da língua permitiu que escrevesse vários textos em chinês, contando provavelmente com o auxílio de mandarins convertidos, com os quais ele se relacionava [Laven, 2001, p. 104-105]. Tal fato, sem dúvida, colaborou para alçá-lo à condição de letrado, honra máxima na sociedade chinesa.

No estudo das relações entre o mandarinato e os inacianos a primeira e uma das mais significativas fontes é o importante texto deixado por Matteo Ricci e intitulado por ele mesmo Della entrata della Compagnia di Giesù e Christianità nella Cina, já quase concluído por ocasião de sua morte, em 1610 [Ricci, 2010]. A ele o padre Nicholas Trigault acrescentou dezenove páginas, traduzindo-o integralmente para o latim e levando para Roma o original e sua tradução. Em seguida, a partir do texto latino, foram realizadas traduções para diversos idiomas, o que ampliou sua divulgação entre leitores europeus, ainda que, de maneira equivocada, sob o nome de Trigault. Este, porém, autenticou o manuscrito em 26 de fevereiro de 1615 como sendo efetivamente de autoria do jesuíta italiano e nunca lhe negou o crédito [Ricci, 2010, p. LVI].

Matteo Ricci foi um observador atento e perspicaz da sociedade chinesa. A formação intelectual dos inacianos capacitava-os para entender o mundo à sua volta, principalmente no caso daqueles que, como ele, tiveram acesso ao qualificado corpo docente do Colégio Romano, posteriormente denominado Universidade Gregoriana.

A imagem dos missionários-mandarins passou a circular na Europa a partir das atividades de Ricci [Kircher:1667] mantendo-se até o século XVIII, mas não isenta de considerações críticas, principalmente por parte dos franciscanos. Em resposta às muitas críticas da época, o padre Alessandro Valignano grande incentivador do estilo de missionação dos jesuítas na China, Visitador da Companhia na Ásia e conhecedor das sociedades orientais, deixou bem claro o que considerava como “calúnias” contra os padres da Companhia de Jesus. De acordo com Valignano:

“(...) quanto ao que diz Frei Martín que vestem-se em trajes de chineses e que não tratam de conversão, é verdade que andam vestidos à maneira de letrados chineses e que trazem as barbas crescidas e também os cabelos até as orelhas (...) isto se fez por ordem minha e pelo parecer de muitas outras pessoas sérias e letradas da Companhia.” [Valignano, 1598/1998: 88]

E, mais adiante:

“(...) entendemos que os Padres, fazendo ofício de homens letrados, teriam mais fácil entrada com todos e poderiam melhor e com mais autoridade divulgar nossa santa lei para os chineses, e não se deve reprender e nem ironizar este método, como faz o frade, a quem parece que toda a religião consiste no hábito, o qual, ainda que seja bom, “não faz o monge”, como se diz nos cânones sagrados.” [Ibid.: 89]  

O frade ao qual Valignano se referia era Martín Loinez de la Ascención, um crítico contundente do trabalho dos inacianos no Oriente. Valignano, porém, destaca em sua Apología que outros franciscanos também deram informações “muito caluniosas e prejudiciais para a nossa Companhia, e bem diferentes e contrárias do que se passa na verdade” [Ibid.: 1]

Ricci, em todos os seus escritos deixa evidente ter demonstrado grande capacidade para apreender as muitas características da cultura chinesa, analisando-as com real interesse. Em uma das passagens escreve:

“O maior filósofo entre eles é Confúcio que nasceu quinhentos e cinquenta e um anos antes da vinda do Senhor ao mundo e viveu mais de setenta anos de uma boa vida ensinando esta nação com palavras, obras e escritos; de todos é tido e venerado como o mais santo homem que teve o mundo. E, na verdade, naquilo que disse e na sua boa maneira de viver, de acordo com a natureza não é inferior aos nossos antigos filósofos, excedendo a muitos deles.” [Ricci, op.cit.: 28-29] 

A saga de Matteo Ricci até sua instalação definitiva em Beijing foi repleta de aventuras, de contatos com funcionários chineses fascinados por aquela exótica figura que falava sua língua e interessava-se por seus comportamentos. Em mais de uma localidade na qual se estabeleceu procurando realizar algumas conversões de chineses para o cristianismo ele amealhou diversos aliados, ainda que as conversões não fossem em número elevado.  Seu pioneirismo abriu caminho para os muitos inacianos que seguiram seus passos.

As Cartas edificantes e curiosas do século XVIII 
Entre as muitas informações produzidas pelos jesuítas e difundidas através da Europa no século XVIII estavam as Lettres Édifiantes et Curieuses. Tratava-se de cartas enviadas pelos padres franceses estabelecidos em várias partes do mundo a diversas personalidades com o objetivo de divulgar as atividades da Companhia de Jesus. As referidas cartas foram em seguida publicadas, atingindo um número maior de leitores entre a elite francesa, além de seus destinatários. No caso das cartas que foram escritas a partir da China, mais do que os detalhes das conversões em si, que não eram em tão grande número a ponto de impressionar os europeus, os jesuítas fizeram questão de mostrar a posição de destaque que os inacianos desfrutavam no Império do Meio.

A história da chamada Missão Francesa remonta a 1685, quando o rei Luís XIV enviou para a China um grupo de jesuítas que chegou a Beijing em 1688. Com tal decisão, o monarca ignorava o Padroado português que, ao menos teoricamente, detinha a exclusividade do controle da atividade missionária no Oriente. Embora o sistema de Padroado vinculasse também os missionários na China à coroa lusa, a situação ali era menos rígida. Padres de diversas nacionalidades estavam sempre prestando contas de forma mais direta a Roma e aos seus supervisores do que ao rei de Portugal.
O caso dos jesuítas franceses enviados por Luís XIV era, por sua vez, totalmente excepcional, com independência do reino luso, o que não ocorreu sem fricções. Horácio Peixoto de Araújo faz uma boa análise do sistema do Padroado e suas características na China [Araújo, 2000] e Isabelle e Jean-Louis Vissière apresentam o caso francês, na Introdução ao volume que editaram com as Lettres Édifiantes et Curieuses [Vissière & Vissière, 2001:7-24].

Os jesuítas franceses se constituíam em cientistas de excelente formação e sua escolha foi realizada com o apoio da Academia de Ciências de Paris, que não tinha interesse direto na atividade missionária, mas desejava enviar para diversas partes do mundo pessoas capacitadas para coletar informações visando um amplo trabalho de aperfeiçoamento da cartografia. A ideia de que os padres da Companhia de Jesus seriam os mais indicados para tal função na China devia-se ao fato, já então bem conhecido na Europa, de que eles desfrutavam de boa acolhida na fechada corte imperial, o que não era o caso de outros estrangeiros [Ibid.: 10-11].

A Missão Francesa, no entanto, foi muito além de um simples contato científico e missionário. O imperador Kang’xi, que ocupou o trono entre 1662 e 1722, afeiçoou-se aos inacianos tornando-se um grande admirador de suas atividades, integrando-os durante seu longo reinado ao corpo dos grandes letrados do Império [Spence, 1988].

Das muitas cartas enviadas pelos jesuítas a seus correspondentes europeus, destaca-se a de Jean de Fontaney, escrita em fevereiro de 1703 para o padre de la Chaise, confessor do rei francês Luís XIV. Nela, Fontaney descreve de modo muito positivo as honras que foram proporcionadas ao padre flamengo Ferdinan Verbiest na cerimônia de seu velório, ocorrido anos antes, em 1688. Verbiest, que não fazia parte da Missão Francesa mas que era muito admirado por todos, tinha se destacado como matemático e astrônomo. Fontaney não  trata apenas da chamada missão francesa, mas dá um bom panorama das atividades de diversos jesuítas na corte imperial. Relata também em sua correspondência o papel de mediação exercido pelos padres em um confronto que havia ocorrido entre russos e chineses, em virtude do agressivo expansionismo russo. A atuação dos inacianos como mediadores foi fundamental naquela oportunidade para que se alcançasse a então chamada Paz de Nertchinski. Nela destacou-se a atuação de Thomas Pereyra e Jean-François Gerbillon que estavam a serviço do imperador chinês, partucipando das reuniões entre ambas as nações como intérpretes e conselheiros [Fontaney, 2001, p. 65]. Nesta mesma carta o jesuíta descreve ainda o grande interesse do imperador pelo estudo da matemática e da geometria euclidiana [Ibid.: p. 66] reafirmando, portanto, na Europa, uma imagem muito positiva do soberano chinês, curioso e interessado em aprender, o que era, efetivamente, uma característica de Kang’xi [Spence, op. cit. p. xviii].

Outros missionários franceses mantiveram também uma ativa correspondência com diversas personalidades europeias. O padre Dominique Parrenin, que além de missionário era um cientista consagrado, trocou, entre 1728 e 1740, diversas cartas com Dortous de Mairan, físico e matemático que foi diretor da Academia de Ciências de Paris e depois seu Secretário Perpétuo [Parrenin, 2001, p.180]. Em uma destas cartas o padre discorreu longamente sobre as ciências na China, fazendo análises interessantes sobre o fato dos chineses valorizarem mais a “história das leis e da moral”, o que ocorria em detrimento das “ciências especulativas”, como eram chamadas a geometria e a astronomia [Ibid.: 184].

A situação descrita pelo jesuíta era real e justamente em função dela o trabalho dele e de seus companheiros mostrava-se de grande utilidade para o império. Parrenin, porém, destacou que o relativo atraso no qual se encontravam os chineses no século XVIII em relação às “ciências especulativas” não consistia em nenhuma deficiência mas resultado de uma escolha, já que os concursos para mandarim, que davam acesso às funções de maior prestígio, exigiam principalmente conhecimentos ligados às leis e à moral. De acordo com o padre Parrenin os chineses eram “bem sucedidos em outros assuntos que não demandavam menos gênio e nem menos profundidade do que a astronomia e a geometria”. [Ibid., p.181]

O imperador Qianlong, que reinou de 1735 até 1796, sucedeu Kang’xi e manteve, como era praxe já há muitos anos, diversos jesuítas a seu serviço em Beijing, inclusive padres que eram também artistas e que trabalhavam como pintores oficiais da corte. Alguns deles alcançaram grande destaque, como foi o caso do italiano Giuseppe Castiglione “que fez (...) combinar as artes ocidental e oriental e formar uma nova escola de pintura da China (...)” [Seng, 2002, p. 131]

No entanto os inacianos que, como seus antecessores, continuavam a viver sob a proteção imperial, estavam entre os derradeiros representantes de um rico encontro entre o Ocidente e o Oriente que em breve seria interrompido em função de acirradas discussões sobre as práticas da missionação. As ásperas disputas que ficaram conhecidas como a “querela dos ritos”, motivadas pela intransigência da Santa Sé em aceitar as cerimônias de culto aos ancestrais e de homenagem a Confúcio, fizeram com que os missionários começassem a perder o apoio até mesmo do próprio imperador e a sofrer perseguições de parte da população, já que os rituais que estavam sendo criticados pelo papado representavam a própria essência da milenar cultura chinesa.

Na Europa, recrudesciam também as críticas aos métodos inacianos de aculturação o que, ao menos parcialmente, influenciaria na dissolução da Ordem. Da parte dos jesuítas, já não havia mais uma personalidade forte, batalhadora por suas idéias e prestigiada em Roma, como havia sido o caso de Alessandro Valignano, no século XVI, e que pudesse defender a originalidade de seus métodos de aproximação com as populações locais, visando abrir caminho para a catequese.

Conclusão
Os jesuítas, sem dúvida, sempre tiveram uma pedagogia diferenciada em sua atividade missionária, incluindo um certo grau de abertura para a alteridade e o projeto de, em algumas sociedades, iniciar a missionação pelas classes mais altas e letradas. No caso dos inacianos que estiveram no império chinês entre os séculos XVI e XVIII o caminho foi pavimentado também pelas ideias confucionistas que, longe de desagrada-los, passaram a ser incorporadas, em certa medida, como parte de comportamentos morais que os padres consideravam comuns aos cristãos e aos seguidores de Confúcio.

O bom relacionamento entre os jesuítas e os letrados chineses devia-se não apenas às atitudes dos padres mas também ao mandarinato e, em diversos casos, igualmente a imperadores que viabilizaram verdadeiros encontros de civilizações. As trocas foram materiais, intelectuais e até mesmo afetivas, baseadas em admiração recíproca. Atualmente, diversos nomes de jesuítas são lembrados pelos chineses e os que mais se destacaram estão referenciados em museus importantes que contam a história imperial, como o Antigo Observatório Astronômico de Beijing, cuja exposição permanente rende homenagem aos astrônomos Adam Schall von Bell e Ferdinando Verbiest.

O chamado Cemitério Jesuíta de Beijing, conhecido como Cemitério de Zhalan, que incluímos como fonte material de nossa pesquisa, também é testemunho do apreço e respeito pelos inacianos da parte dos chineses, que ali conservam 63 túmulos com grande zelo. Em sua entrada estão, com destaque, as lápides de Matteo Ricci, Adam Schall von Bell e Ferdinand Verbiest.

Houve, sem dúvida, períodos de muitas tensões entre  chineses e europeus em torno das atividades de catequese, com momentos de perseguições e de incompreensões também da parte dos missionários europeus. Os franciscanos registraram na sua história inúmeros relatos de martírio, ocorridos principalmente no interior.  Os jesuítas, embora em grau bem menor, foram também alvo de ataques, mas quase sempre fora da capital. O foco de nossa pesquisa, porém, é o do intercâmbio entre inacianos e chineses e, dentro de um escopo mais amplo, o da avaliação da influência deste encontro na construção de imagens da China na Europa, imagens estas que se mantiveram positivas por um considerável período de tempo e que podem ser consideradas como parte essencial do fascínio ocidental pelo Oriente.

Referências
Carmen Lícia Palazzo é doutora em História pela Universidade de Brasília, UnB, pesquisadora convidada do UniCeub, pesquisadora membro do Grupo Officium da Universidade Federal da Paraíba e do Grupo de Estudos Persas, da UnB, e foi também pesquisadora convidada da Georgetown University, EUA."
Agradecimentos: ao professor Hirochika Nakamaki do Museu Nacional de Etnologia de Osaka pela generosa disponibilização de fontes importantes para a esta pesquisa e também aos professores Julio Jatobá, em Macau, e Jorge Cardoso Leão, no Rio de Janeiro, que colaboraram com importantes sugestões bibliográficas.
[Todas as traduções de fontes e bibliografia em língua estrangeira no corpo do texto são nossas.]

ARAÚJO, H. P. Os Jesuítas no Império da China. O primeiro século (1582-1680). Macau: Instituto Português do Oriente, 2000.
BARRETO, L. F. Macau: Poder e Saber: séculos XVI e XVII. Lisboa: Editorial Presença, 2006.
DUCORNET, E. Matteo Ricci, le lettré d’Occident. Paris: Cerf, 1993.
FONTANEY,  Carta de 15 de fevereiro de 1703, enviada a R. P. De La Chaise. In VISSIÈRE & VISSIÈRE, I. e J.-L. (ed.). Lettres Édifiantes e Curieuses des Jésuites de Chine (1702-1776). Paris: Desjonquères, 2001, p. 59-75.
KIRCHER, A. China Monumentis, Qua Sacris, quà Profanis, nec non variis Naturae & Artis Spectaculis, Aliarumque rerum memorabilium Argumentis Illustrata. Amsterdam: Janssonius van Waesberge & Elizer Weyerstraten, 1667.
LAVEN, M. Mission to China. Londres: Faber & Faber, 2011.
PALAZZO, C.L. Os jesuítas como atores privilegiados na comunicação de imagens da China para a Europa: séculos XVI a XVIII. Revista Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 48, p. 13-31, Curitiba, 2014.
PALAZZO, C. L. Relatos ocidentais sobre os khanatos mongóis: Pian di carpine e Rubruck. Revista Signum, 2011, v., n. 2, 2011, p. 124-138.
PARRENIN, D. Carta de 11 de agosto de 1730 enviada a M. Dortous de Mairan. In VISSIÈRE & VISSIÈRE, I. e J.-L. (ed.). Lettres Édifiantes e Curieuses des Jésuites de Chine (1702-1776). Paris: Desjonquères, 2001, p. 181-188.
RICCI, M. Della entrata della Compagnia di Giesù e Christianità nella Cina. Macerata: Quodlibet, 2010 (Editado por Piero Corradini a partir do manuscrito do Arquivo Romano da Companhia de Jesus, em: Jap.-Sin., 106a.).
SENG, C. H. Epílogo. In MUSEU DE ARTE DE MACAU. Exílio Dourado: Estudos gerais sobre a escola de pintura dos missionários ocidentais da corte da dinastia Qing (edição trilíngue mandarim, português, inglês). Macau: Fundação Macau/ Instituto para Assuntos Cívicos Municipais, 2002, p. 130- 132.
SPENCE, J. Emperor of China. Nova Iorque: Vintage Books/Random House, 1988
VALIGNANO, A. Apología de la Compañia de Jesús de Japón y China/ Apología en la cual se responde a diversas calumnias que se escribieron contra los padres de la Compañia de Jesús de Japón y de la China (1598). Osaka: Eikodo, 1998.
VISSIÈRE, I. & VISSIÈRE, J. L (ed.) Introduction. In Lettres Édifiantes et Curieuses des Jésuites en Chine (1702-1776). Paris: Desjonquères, 2001, p. 7-24.
ZHANG, X. Following the steps of Matteo Ricci to China. Beijing: China Intercontinental Press, 2009.
ZHU, J. Missionary in Confucian Garb (edição bilíngue inglês/mandarim). Beijing: China Intercontinental Press, 2010.

71 comentários:

  1. Existe um aspecto principal que levou os chineses a aceitarem melhor os inacianos do que os demais cristãos de outras vertentes?

    Ass.: Alessandro Henrique da Silva

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    1. Li muitos relatos de missionários e concluí que o principal motivo da aceitação foi o método jesuíta que procurava se adaptar aos hábitos locais. Até mesmo no vestuário eles começaram vestindo-se como monges budistas mas, ao descobrirem que os mandarins confucionistas eram mais respeitados na China do que os monges, passaram a se vestir como eles e até a deixar crescer a barba e os cabelos! Os jesuítas fizeram grandes esforços para o aprendizado da língua e também se posicionaram como cientistas. Alguns eram tão qualificados, como Adam Schall von Bell e Ferdinando Verbiest, que chegaram a ocupar altos postos na Corte, Houve um real interesse dos jesuítas pelo confucionismo, não se tratou apenas de pragmatismo mas até de um certo encantamento. Eles se referiram muitas vezes positivamente, em seus relatos, aos famosos concursos da China para a carreira do mandarinato. A admiração, na verdade, foi mútua. Mas a chamada técnica de exercer a atividade missionária acomodando-se aos hábitos locais foi fundamental para que fossem melhor recebidos do que outras ordens mais intransigentes.

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  2. Olá, Alessandro. Na minha opinião o principal aspecto foi a maneira de atuar dos próprios jesuítas. Desde o tempo de Ricci eles entenderam, por exemplo, que a imagem de Jesus crucificado deixava os chineses muito impressionados, eles não entendiam como o filho de Deus poderia ter sofrido tanto. Dando-se conta disto, eles passar a difundir muito mais a imagem de Maria com jesus no colo, o tema da mãe, da importância do amor filial que era positivo para os confucionistas. Outras ordens foram, inclusive, muito críticas da atuação dos jesuítas, acusando-os de excesso de adaptação. Na verdade, os jesuítas tinham uma boa formação intelectual e, especialmente para a China, foram enviados muitos que, na Europa, eram cientistas, o que também facilitou o encontro com o mandarinato letrado.

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  3. Desculpe, corrigindo: "Dando-se conta disto, eles PASSARAM a difundir..."

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  4. Professora Carmem Licia. Sua pesquisa é muito interessante. E um autor que elucida vários pontos do seu artigo é Francesco Occhetta, um padre jesuíta autor do livro: Matteo Ricci, Il Gesuita amato dalla Cina. O titulo da obra talvez comprometeria o seu conteúdo, dado que apresenta elogios ao pesquisado. entretanto não falta rigor cientifico. Occhetta apresenta Ricci, na China, como um Europeu precedido por outros europeus: Marco Polo e tantos mercadores; como um religiosos precedido por outros religiosos como Franciscanos e Dominicanos. Também fica evidente na obra acima mencionada que Ricci ofereceu ao imperador vários presentes como relógios, prismas venezianos, cartografias e mapas. A Europa era sempre a referencia dos presentes. Por isso gostaria de saber o que de pioneiro encontramos em Ricci? sua inculturação era despretensiosa?

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  5. Professora Carmem Licia. Sua pesquisa é muito interessante. E um autor que elucida vários pontos do seu artigo é Francesco Occhetta, um padre jesuíta autor do livro: Matteo Ricci, Il Gesuita amato dalla Cina. O titulo da obra talvez comprometeria o seu conteúdo, dado que apresenta elogios ao pesquisado. entretanto não falta rigor cientifico. Occhetta apresenta Ricci, na China, como um Europeu precedido por outros europeus: Marco Polo e tantos mercadores; como um religiosos precedido por outros religiosos como Franciscanos e Dominicanos. Também fica evidente na obra acima mencionada que Ricci ofereceu ao imperador vários presentes como relógios, prismas venezianos, cartografias e mapas. A Europa era sempre a referencia dos presentes. Por isso gostaria de saber o que de pioneiro encontramos em Ricci? sua inculturação era despretensiosa?

    Antonio Alexandre Oliveira Da Silva
    Graduando em Historia-Unip Goiânia.

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    1. na segunda linha escrevi "elucida", mas a intenção é ratifica

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  6. Você não falou sobre os trabalhos metalúrgicos desempenhados pelos jesuítas principalmente por Adam Shall von Bell que chegou a estabelecer uma fundição na china com o apoio imperial e essa fundição foi crucial para a fama do hongyipao que era uma artilharia bem vista pela elite militar chinesa, eu gostaria se possível que você tirasse uma dúvida minha sobre isso, sei que o texto não era sobre isso, mas se poder poderia falar se houve na metalurgia amalgamas de tecnologia chinesa e europeia, sei que nas embarcações há Jonathan Clements cita embarcações mistas na frota de Zheng Zhilong, e há o emblemático caso das lorchas de Macau, mas gostaria se possível for, saber um pouco mais se houve tecnologia mistas na área da metalurgia ou artilharia?

    Ass: Matheus sobral Reis Dantas

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    1. Ainda para você, Matheus, complementando minha resposta anterior : veja a sugestão de bibliografia deste texto do link, na nota nº 2 dele. Ele cita um livro que certamente deve tratar do tema.

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  7. Olá, Matheus. Esta área à qual você se refere não é a minha, mas sempre faço algumas leituras em torno do que trabalho e, sobre ciência e tecnologia, tenho arquivado este artigo pelo qual você talvez se interesse. Vou dar mais uma olhada nos meus arquivos e colocarei em outras respostas o que encontrar. http://edition-open-access.de/studies/1/15/index.html

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  8. Parabéns pelo texto e trabalho, professora Carmen Licia Palazzo. Excelente!
    Nessa relação de admiração multua entre europeus e chineses, enquanto os inacianos se deslocaram até a China, ocorrendo a troca de experiências de conhecimentos e culturas, há em algum momento o inverso desse deslocamento. ou seja, os chineses ou alguma comitiva de funcionários mandarins irem até ao ocidente durante esses 03 século? Se sim, como foi a receptividade e como se deu essa relação?
    Ass. Thayllon Monteiro Veloso

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    1. Adendo à resposta anterior, vou ver se encontro outras análises sobre o tema e se encontrar eu coloco os links aqui até o dia 13. Estou anotando os temas das perguntas mesmo que se trate de temas com os quais eu não trabalhei para dar mais detalhes para as questões que me forem colocadas.

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    2. Muito obrigado e parabéns pelos texto ele é muito bom.

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  9. Thayllon, muito obrigada por sua gentileza, fico feliz que tenha gostado do meu texto. A China era bastante fechada ao exterior durante o período no qual os inacianos entraram em seu interior. Justamente o fechamento era uma de suas principais dificuldades para cativar os chineses, que temiam não apenas o real perigo do assédio de tribos do norte como a pirataria japonesa em suas costas, pirataria esta que eles acreditavam que poderia estar associada aos comerciantes portugueses. Assim, viajar para além do continente asiático não era algo incentivado pelo mandarinato. No entanto, em julho de 1896 há uma missão chinesa que vai a Lyon, chefiada por Li Hong Shang. Está fora da minha análise, mas li um pouco sobre ela e vi que se tratava de contatos com importadores franceses da seda chinesa. Lyon se constituía em um importante centro de importação de seda. Porém, durante o período do século XVI ao XVIII, a janela de abertura dos chineses para a Europa era realmente a dos jesuítas. Há muita especulação também sobre até onde os chineses teriam ido antes disto, mas a maioria dos historiadores é cético sobre grandes descobertas que não tiveram confirmação nas fontes mesmo de arquivos chineses. O fato de se ter encontrado sedas chinesas e outros produtos na Europa desde a Antiguidade deve-se aos mercadores da Rota da Seda. Sabe-se, agora, que na dita Rota da Seda não eram os mesmos mercadores que faziam todo o percurso e muito provavelmente outras nacionalidades se revezavam. Dunhuang, no norte da China, era um ponto importante de encontro de mercadores, mas eles iam se revezando. Outro exemplo era a troca de caravanas no Irã e na Turquia, quando os negociantes locais substituíam os que vinham do Extremo Oriente para ir adiante. O maior fechamento da China para o exterior se dá justamente após a queda da dinastia mongol Yuan, com a subida ao poder da dinastia etnicamente chinesa dos Ming.

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  10. Professora, desculpe-me a curiosidade: não vi a senhora fazendo menções a minha pergunta. Não sei a pergunta foi descabida ou se a não chegou até a senhora. me dê um ok. Grato.

    ANTONIO ALEXANDRE OLIVEIRA DA SILVA

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    1. Alexandre, vou conferir, mas ainda não tinha chegado!!! Nenhuma pergunta é descabida.

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    2. Olá, Alexandre, Acho que agora consegui me conectar com você!!! Obrigada por me lembrar do livro do Ochetta. Sobre o Ricci ser despretensioso, acho que inicialmente ele chegou à China com um objetivo bem definido que era a conversão dos chineses. No entanto, em seu vasto relato sobre a atividade missionária dos jesuítas na China ele deixa bem claro, em diversas passagens, que foi conquistado por muitas qualidades dos chineses. Entre elas a chamada "piedade filial" dos confucionistas, muito ligados à família, a qualidade dos concursos que se realizavam em todo o território chinês para escolher os candidatos aos postos públicos (em última análise, ao mandarinato) e também ao respeito que os chineses devotavam à amizade. Ricci escreveu em mandarim, provavelmente com ajuda de um chinês convertido que o assessorava, um Tratado da Amizade, que jea está traduzido para idiomas ocidentais. Neste tratado ele compara a noção de amizade do Ocidente e da China e considera que são muito semelhantes. No caso de alguns jesuítas, não todos, a originalidade foi realmente seu encantamento com a cultura chinesa. Não deu para tratar dele neste texto em virtude do tamanho, mas outro inaciano que se deixou conquistar pela China foi o pintor, desenhista e arquiteto italiano Giuseppe Castiglione cujo papel na corte imperial foi da maior importante. Foi ele o arquiteto da "ala ocidental" do que hoje é chamado Antigo Palácio de Verão de Beijing. é claro que, como você disse, os presentes foram essenciais para os primeiros contatos, já que para os chineses eles eram "exóticos". Até mesmo as pinturas de Maria com Jesus eram muito apreciadas e Ricci pede, em mais de uma oportunidade, que lhe enviem da Europa mais pinturas para dar de presente a mandarins seus amigos.

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    3. Muito obrigado Professora. Satisfatória sua resposta. E a Parabenizo pois de todos os artigos o seu é o mais frequentado e comentado.

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    4. Cara professora,

      Extremamente interessante sua pesquisa. Fiquei curiosa com o fato de a despeito da elegante metodologia de intercâmbio cultural de Ricci, e do seu apreço sincero pelas tradições chinesas ele não ter atingido um grande número de conversões. Quais seriam, a seu ver, as possíveis causas? Teria ele se concentrado demasiado na elite intelectual e política ou talvez, a cultura milenar chinesa não fosse tão permeável. Obrigada

      Carla Cristiane de Oliveira Marson

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  11. Como era feito o proselitismo cristão diante das crenças chinesas com milênios de fundamentação?
    Diante da querela de franciscanos e jesuítas, me veio a curiosidade se haviam outras ordens, além dos jesuítas no território continental chinês? Se sim, no que se diferenciavam dos jesuítas
    Matheus Araújo dos Santos Silva

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    1. Olá, Matheus. havia outras ordens, sim, principalmente franciscanos, carmelitas e dominicanos. A maior diferença de todos eles em relação aos jesuítas na China era o fato de que os inacianos escolheram deliberadamente o método de acomodação cultural. Mais tarde, isto desembocou na querela dos ritos, na qual eles foram acusados de se ser muito tolerantes com os ritos confucionistas entre aqueles chineses já convertidos ao catolicismo. Havia um ritual muito consolidado na China que era o culto aos antepassados e diversas outras ordens (e em alguns casos até certos jesuítas mais rigorosos) diziam que tal ritual deveria ser banido das famílias que se tornassem católicas. O fato de que muitos jesuítas usavam as vestes de mandarins também provocou críticas entre franciscanos e dominicanos que achavam que eles deveriam continuar usando a batina de padres europeus. o proselitismo era, evidentemente, mais fácil no momento em que os padres simpatizassem com os hábitos, com os comportamentos chineses. Ricci chegou a tentar adaptar e aproximar ambas as culturas escrevendo um Tratado da Amizade em mandarim, no qual ele mostrava como o sentido da amizade era o mesmo para pensadores ocidentais e para os confucionistas.

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  12. Professora Carmen Licia, na disciplina História do Oriente que estou estudando, aprendi que a dinastia Qing (1644-1911) não tinha muita receptividade para com os comerciantes ocidentais. Desde os portugueses, que já estavam pelo Oriente, até as novas potências marítimas como Holanda, França e Inglaterra, várias restrições foram impostas pelos imperadores para atrapalhar os objetivos comerciais dos “bárbaros”. Chegou-se ao ponto de, no século XVIII, ser enviado um comunicado do Império Celestial ao rei inglês, Jorge III, refutando qualquer tipo de negócio por não trazer nenhuma vantagem ao país os produtos oferecidos pela Inglaterra.
    Este aparente desinteresse dos jesuítas por impor negociação comercial certamente foi um diferencial. No entanto, presentes foram oferecidos, tal qual fizeram os ingleses.
    O que mudou nos chineses para serem diferentes com franceses e ingleses? A França lucrou com esta estratégia, mesmo com os tratados que desmoronaram as restrições impostas pelos chineses?

    Ass: Ary Luiz Paes Alves

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    1. Olá, Ary. Realmente, de um modo geral houve este fechamento da China que começou com a dinastia Ming, assustada com os riscos de invasões (já que eles tinham derrotado a dinastia mongol Yuan) e que prosseguiu com os Qing, no entanto com nuances. Por exemplo, os chineses estavam bem articulados com os comerciantes portugueses de Macau, no entanto isto porque estavam certos de que não havia efetivamente nenhum plano português de invasão da China. Já com os espanhóis, depois da invasão das Filipinas, não havia nenhuma garantia de que o interesse em relação à China pudesse ser apenas comercial. Os jesuítas sempre enviaram informações à Europa de qualquer interesse colonial em relação à China seria um erro. E eles próprios sempre tentaram se desvincular não apenas de interesses coloniais mas também dos interesses comerciais. os jesuítas chegaram a participar do comércio com o Japão, no entanto o intuito era cobrir as suas despesas na China, pois nem sempre o que recebiam dos monarcas europeus ou do Vaticano era suficiente. O Padroado português, segundo queixas dos inacianos, não supria todas as suas necessidades. Os presentes, na China até hoje são uma prática incontornável! É parte da cultura chinesa receber ofertas, como eles sempre receberam também das tribos à sua volta. É um hábito milenar. Quanto aos franceses, eles conseguiram estabelecer algumas relações comerciais interessantes via embaixadas específicas. E os importadores de Lyon conseguiram alguns contatos e negócios interessantes, mais na importação de sedas chinesas do que na exportação de produtos franceses. Ainda não cheguei, na minha pesquisa, em detalhes sobre as embaixadas mas pelos relatos já consegui vislumbrar alguma coisa.

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    2. Muito obrigado pela resposta.

      Ass: Ary Luiz Paes Alves

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  13. Boa noite professora Carmen,

    Excelente e estimulante texto sobre encontros e alteridades nas missões.
    Pergunto como eram entendidos pelos chineses os valores morais contidos no cristianismo?
    As missões à época tendo por alvo a China tinham por “pano de fundo” o interesse comercial, como ocorreu nas Américas?
    Gostaria ainda de seus comentários se os missionários católicos foram influenciados pelas crenças e ideologias chinesa, a ponto de alguns renunciar a fé cristã?
    Por fim, pergunto se Matteo Ricci teria sido o precursor da inculturação da fé cristã e se seu método de introduzir e propagar a fé cristã pela escrita foi adotado por outros missionários?

    Paulo Malta de Albuquerque Maranhão Junior
    Aluno de História - Uerj
    Leitor@

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  14. Olá, Paulo, muito obrigada por suas palavras. Vou começar respondendo pelo final de seus questionamentos. Ricci é, sim, considerado em geral um precursor no relacionamento de aculturação ou acomodação, como é chamado, com os chineses. Junto com ele também o jesuíta Michele Ruggieri, que participou de suas primeiras missões, mas acho que podemos destacar as orientações do "visitador"das missões da Ásia, Alessandro Valignano, que estimulou os primeiros missionários a seguir com o modelo que excluía qualquer tipo de confronto. Valignano foi uma peça chave para que os projetos de Ricci dessem certo, contatando vários elementos do alto mandarinato chinês. Com relação aos interesses comerciais, para Portugal estava muito claro que eles ficariam mesmo com o enclave de Macau e que a a partir dali realizariam seus planos comerciais com a Ásia. Ricci, desde o início, alerta que a China não seria "conquistada"e que se tratava de um reino forte e milenar. havia, sim, interesse comercial, principalmente de importação de porcelanas e sedas, no entanto era muito certo que no caso chinês não passaria pela conquista, neste período do século XVI ao XVIII. Os cristãos foram efetivamente admirados principalmente pelos confucionistas por sua integridade moral. Uma curiosidade: vivi na China por cerca de 8 meses e ouvi de mais de uma pessoa que ainda hoje os cristãos chineses (há igrejas jesuítas em funcionamento) são considerados pouco corruptos. Não me refiro aqui a nenhuma pesquisa, apenas relato por curiosidade o que ouvi... Não conheço nenhum caso de conversão de missionários ao confucionismo, no entanto em alguns relatos vejo uma imensa admiração de alguns padres pelos ensinamentos de Confúcio. Na verdade, diferente do Japão, os imperadores chineses não exigiam que os missionários renegassem sua religião. Quando houve desentendimentos graves, em geral o imperador os expulsava. E, em certos casos, eles foram expulsos do interior mas permaneceram os de Beijing, porque trabalhavam na corte. Era uma situação muito peculiar. No interior, porém houve alguns casos de martírio e principalmente em outras ordens. não estudei com detalhe este aspecto, mas mesmo assim posso afirmar que foi uma situação diferente da japonesa já que o império chinês era sólido e principalmente muito seguro de si.

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  15. Como são muitas as perguntas é provável que, algumas vezes, eu esqueça de responder parte dos questionamentos de vocês. Não se acanhem em insistir, se eu não tiver respondido tudo ou não tiver sido suficientemente clara em minhas respostas. Obrigada!

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  16. Olá, professora Carmen!

    Parabéns pelo trabalho e pela pesquisa!

    Minha questão é a seguinte: Qual foi a recepção européia ao confucionismo na época? Sei que traduções dos clássicos de Confúcio foram publicadas na França no século XVII, como o Lunyu, traduzida recentemente para o inglês pelo Thierry Meynard do original jesuíta em latim. É possível saber qual foi a recepção de Confúcio e do confucionismo na Europa? E mais ainda, era o confucionismo visto como religião ou sistema filosófico na Europa? Acredito que por motivos de manter sua política de acomodação, os jesuítas descreviam os ensinamentos de Confúcio como parte de uma doutrina mais filosófica do que religiosa, algo compartilhado por alguns estudiosos da religião hoje em dia, como Mircea Eliade no Dicionário das Religiões, mas decerto não sei como os leitores da época interpretaram essa questão.

    Ass: Renan Morim Pastor

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    1. Boa noite, Renan. Muito obrigada!
      Não é fácil avaliar a dimensão do alcance do confucionismo na Europa, no entanto os jesuítas efetivamente fizeram questão de divulga-lo e deixaram isto claro nos seus relatos. Em geral, diziam que não se tratava de uma religião, pois só assim podiam permitir que os chineses convertidos continuassem a praticar alguns de seus rituais. Ricci é bem claro nos seus textos e inclusive tenta mostrar a semelhança com certas práticas cristãs. no ano de 1687, o jesuíta Couplet, coordenando um trabalho que contou também com os inacianos Prospero Intorcetta, Christian Wolfgang Herdtrich, e François de Rougemont)publica "Confucius Sinarum Philosophus" uma tradução anotada (muito semelhante ao que se faz atualmente nos trabalhos acadêmicos) de três livros de Confúcio e os dedica a Luís XIV. sabidamente esta obra foi muito admirada na Europa. Eu pretendo entrar mais adiante nesta questão do confucionismo no Ocidente, embora ainda não faça parte da minha pesquisa, mas já posso lhe adiantar um livro que me foi muito recomendado (e que ainda não li), que é o seguinte: "The Dragon and the Eagle: The Presence of China in the American Enlightenment", de Owen Alridge. Vou conferir se tenho mais informação arquivada, se tiver coloco para você até o dia 13.

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  17. Boa tarde professora Lúcia temos poucos estudos sobre o Oriente nas faculdades, geralmente o que prevalece é o estudo eurocêntrico. Com relação ao avanço das missões e cristianização desses povos sabemos que houve muitas resistências, gostaria de saber como se deu os martírios dos missionários nesse país?
    att;
    Luciana dos Reis de Santana

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  18. Boa noite, Luciana,
    No caso da China, bem diferente do Japão, os martírios foram em muito menor escala e bem menos com os jesuítas, que tinham como linha de conduta não entrar em grandes enfrentamentos. Por outro lado, os imperadores eram bem mais abertos à diferença de pensamento, desde que sua autoridade não fosse contestada. Tanto que o confucionismo, o budismo e o taoísmo conviviam lado a lado. Os casos mais significativos de martírio ocorreram fora do período em que pesquiso, durante a chamada revolução dos boxers. Entre o ano de 1899 e 1900 os chineses mataram uma grande quantidade de missionários tanto estrangeiros quanto chineses convertidos, com a China já num clima acentuado de xenofobia e de recusa a tudo o que vinha de fora. No entanto, nesta mesma ocasião, túmulos de jesuítas em Beijing foram escondidos por mandarins chineses justamente para preserva-los da fúria dos boxers. De um modo geral, houve mais mártires franciscanos do que jesuítas na China, e uma grande parte deles na província de Hunan. A rebelião dos boxers foi claramente anti-ocidental, num contexto de avanço do imperialismo. Estas são as informações mais gerais que tenho para passar para você, já que minha pesquisa vai até o século XVIII. mas acredito que se você buscar mais bibliografia sobre a revolta dos boxers (apoiados pela então imperatriz Cixi), poderá encontrar mais material.

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    1. Obrigada professora Carmem por sua resposta,agradeço por sua indicação sobre a revolta dos boxers.

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  19. GÉSSICA NATASHA DE AZEVEDO MIRANDA11 de outubro de 2017 às 05:24

    Sobre as Missões Jesuítas na China, mesmo os missionários que viveram no país para ensinar e repassar a sua cresça e seus ensinamentos ao povo chinês, no texto acima vemos que eles se adequavam a cultura chinesa para serem aceitos, os governantes do país como lidava com a situação de terem missionários pregando uma nova cresça no país? os jesuítas se misturavam com a cultura para não serem descobertos?

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    1. Olá Géssica, os jesuítas, no caso da China, não precisavam se esconder, pois eles foram aceitos pelos mandarins chineses e muitas vezes chegaram a trabalhar na corte imperial como cientistas e artistas ligados ao imperador. No recente filme de Scorcese sobre os jesuítas no Japão (Silêncio) vemos uma realidade muito distinta da chinesa. Matteo Ricci e Michele Ruggiere foram pioneiros neste processo de adaptação, apoiados por Valignano, no entanto outros se seguiram e mais adiante duas grandes figuras se destacaram como cientistas da corte: Adam Schaal von Bell e Ferdinand Verbiest. Muitos destes padres jesuítas estão hoje enterrados em Beijing, como falei no artigo. E o cemitério pode ser visitado sem problemas. desde que o poder do imperador e a hierarquia imperial não fosse questionada, as autoridades chinesas criaram poucas restrições a quem propagava outras crenças. No entanto, é claro, desde que fossem mantidos todos os elaborados e importantes rituais confucionistas, centrais na cultura chinesa.

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  20. Prezada professora Carmen Lícia Palazzo: agradeço pela excelente aula sobre as relações estabelecidas pelos inacianos na China. Sendo um assunto totalmente novo para mim, sua explanação despertou o desejo de saber um pouco mais. Mesmo correndo o risco de parecer pueril, gostaria de saber se o confucionismo, entendido como uma reflexão sobre a experiência humana, vem se fortalecendo no pós-Revolução Cultural.
    Obrigada,
    Nilza Cantoni

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    1. Olá Nilza, muito obrigada! Sua pergunta não é pueril, pois efetivamente tem havido uma retomada da tradição confucionista da parte dos líderes políticos chineses. Aliás percebe-se uma retomada de toda a sua história imperial. Morei por cerca de 8 meses em Xangai e viajei muito por todo o país. Observei o quanto têm sido valorizadas as pesquisas arqueológicas e também como a cidade de Confúcio é parte de todos os roteiros turísticos. mas algo que observei é que não só o confucionismo está sendo revivido, como também o budismo. Os templos budistas estão muito ativos e sempre cheios de jovens acendendo velas e fazendo oferendas. Talvez, no entanto, o artigo do Xulio Rios, aqui neste simpósio tenha mais respostas para você. Acho que ele trata melhor deste tema.

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  21. Boa Tarde professora Carmem Licia Palazzo
    Gostaria de saber se além da admiração ampla entre chineses, inacianos e outros povos, ouve algum outro fator em especial pelo qual esta boa relação foi fundada entre povos de diferentes tradições e religiões?
    ass: Eliane Luczkiewicz da Silva

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    1. Boa tarde, Eliane. Acho que um dos fatores mais importantes para o bom relacionamento entre jesuítas e chineses estava, de um lado na abertura dos padres em conhecer realmente a cultura chinesa e em seu encantamento com os textos do confucionismo. Como muitos deles aprenderam mandarim, conseguiram se relacionar de maneira bastante profunda com os letrados chineses. De outro lado, os imperadores durante o período que estudei, do século XVI ao XVIII, tinham interesse pragmático e bem claro em aprender mais sobre a ciência ocidental, sobre astronomia e matemática, mas também sobre metalurgia (para construção de canhões), etc etc., ramos do conhecimento nos quais os jesuítas eram bastante "fortes", principalmente aqueles formado pelo Colégio Jesuíta de Roma, atualmente Universidade Gregoriana. Houve, então, uma confluência de interesses positivos que os aproximou e acabou conduzindo muitos missionários para um contato direto com o mandarinato e para atividades que não eram só de catequese mas de verdadeira integração na corte imperial.

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  22. Layana Márcia Carvalho Pereira12 de outubro de 2017 às 09:53

    Matteo Ricci é considerado o percurso da ligação entre a civilização europeia e chinesa , fazendo o encontro de realidades culturais e religiosas diferente. Ricci pegou a cultura e levou sua cultura para os chineses. Layana Márcia Carvalho Pereira.

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  23. Layana Márcia Carvalho Pereira12 de outubro de 2017 às 10:34

    Por que a missão Francesa foi muito além de um simples contato científicos e missionários? Layana Márcia Carvalho Pereira

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  24. Layana Márcia Carvalho Pereira12 de outubro de 2017 às 10:42

    Que tensões aconteceu o encontro entre Jesuítas e Europeu em torno de atividades de Catequese ? Layana Márcia Carvalho Pereira

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    1. Boa tarde, Layana. Juntarei suas perguntas para responde-las. Começando pela Missão Francesa, eu diria que um fator importante para a ação independente daqueles jesuítas foi o fato de que, não sem reclamações da parte de Portugal, eles se distanciaram do Padroado português já que tinham sido não apenas enviados pelo rei francês mas também pagos por ele. E, como eu coloquei no texto, "O imperador Kang’xi, que ocupou o trono entre 1662 e 1722, afeiçoou-se aos inacianos tornando-se um grande admirador de suas atividades, integrando-os durante seu longo reinado ao corpo dos grandes letrados do Império."Eles tornaram-se efetivamente amigos do imperador, eram por ele convocados para discussões e, na prática, o assessoravam. Eram verdadeiros mandarins da corte. O encontro e culturas sempre é de mão dupla e se os jesuítas não tivessem se encantado com os textos confucionistas, com o sistema de concursos do mandarinato, entre outros aspectos do império, provavelmente o encontro não teria sido bem sucedido. As tensões que ocorreram são as que sempre ocorrem em toda a atividade missionária, houve a famosa Querela dos Ritos já bastante citada em toda a bibliografia sobre o assunto e que se constitui na mais famosa e difundida das dificuldades.

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  25. Boa tarde, professora

    Henry Kissinger, em seu "Sobre a China", menciona e reafirma diversas vezes o forte "sinocentrismo" presente de forma bastante intensa na elite letrada chinesa. Ele explicita e exemplifica essa suposta falta de alteridade justamente no contato com os povos do norte, do oeste, dos japoneses e mais recente (na Idade Moderna europeia), com os portugueses e comerciantes europeus.
    Da mesma forma, na historiografia sobre o ocidente costumamos estudar e exaltar uma relação eurocêntrica e desprovida de qualquer alteridade dos Europeus com outros povos, mesmo que em relações estritamente comerciais e pacíficas.
    Reunindo essas duas categorias de informação, o natural seria esperar uma relação mais conflituosa e nebulosa -- o que até mesmo se concretizou tempos depois, mas não no período focado no artigo. Gostaria de saber se você pensa que sua visão e descrição de uma relação amistosa e de admiração mútua vai na direção oposta dessa ideia de "civilizações" fechadas e intolerantes ao Outro; ou se ela é perfeitamente conciliável, desde que considerando alguns fatores específicos que possam ter influenciado nesse contato pacífico, além dos fatores que já foram mencionados no artigo.

    Rafael Cezar Tavares

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    1. Não há dúvida que a China era bastante fechada sobre ela mesma e que penetrar em seu interior era algo muito difícil. O pioneirismo de Ricci e de Ruggieri, assim como do visitador e de certa forma mentor da atividade missionária jesuítica, Alessandro Valignano, foi crucial para que os inacianos fossem bem recebidos: eles insistiram no aprendizado do idioma e na adoção de hábitos chineses. Além disto, deixaram claro que seria importante manter uma relação amistosa com o alto mandarinato, respeitando os rituais confucionistas que não considerassem como opostos ao cristianismo, entre eles o culto dos mortos. Mais tarde isto veio a se tornar motivo para perseguição aos jesuítas no Vaticano, transformando-se na famosa Querela dos Ritos. Esta abertura dos missionários, seu interesse em manter contato com as elites confucionistas e mesmo suas capacidades científicas, tornaram especialmente os membros da Companhia de Jesus personalidades apreciadas dentro do Império, vários deles aceitando inclusive altos postos na Corte, como astrônomos, matemáticos, arquitetos, pintores e muito mais. No entanto, há outros fatores que tornam o contexto diferente entre os séculos XVI e XVIII e, depois, do século XIX em diante, e o principal deles é o expansionismo colonial moderno. Em 1860, por ocasião da Segunda Guerra do Ópio, o chamado Antigo Palácio de Verão foi vandalizado e queimado por tropas francesas e britânicas. Trata-se de um período de grande agressividade européia mas também de um império já enfraquecido, com imensos problemas internos. Victor Hugo escreveu entristecido sobre este vandalismo da parte dos europeus. Na questão da alteridade há, portanto, diferença de acordo com os contextos, dependendo da época. E foi justamente enquanto o Império do Meio era forte e extremamente centralizado que ocorreu o encontro mais profundo com os jesuítas, porque havia respeito mútuo. Os inacianos, para dar um exemplo concreto, encantaram-se com o sistema de concursos pelo qual os estudiosos ascendiam aos postos administrativos. Não sei se respondi à sua pergunta mas, resumidamente, acho que há diferenças de contextos dependendo do corte cronológico analisado, da mesma maneira que deve ser levado em conta um verdadeiro encantamento da parte de muitos jesuítas com a cultura chinesa, entre os séculos XVI e XVIII, e dos chineses com o conhecimento científico dos jesuítas, o que facilitou largamente o encontro entre ambas as civilizações.

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    2. Boa tarde, Rafael, ficou faltando minha primeira frase dizendo que sua colocação realmente é importante porque nnao se pode considerar em bloco os contatos de todos os europeus com os chineses e nem um quadro cronológico amplo, que inclua o século XIX, bem mais traumático com relação à alteridade.

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    3. Muito obrigado pela resposta, acho que agora consigo ter uma perspectiva mais ampla e ao mesmo tempo mais específica dessa relação, e parabéns pela pesquisa!

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  26. Prezada professora Carmen Licia Palazzo, parabéns pelo seu excelente texto e trabalho de pesquisa!
    Nas missivas jesuíticas referentes à Missão no Japão, há vários relatos acerca dos constantes confrontos entre os missionários jesuítas e os religiosos japoneses (bonzos). No caso da Missão jesuíta na China, você assinalou que houve um bom relacionamento entre os jesuítas e os imperadores chineses. Essa relação amistosa também se verifica em relação aos membros da elite religiosa chinesa? Como eles lidaram com as diferenças entre os dogmas do Cristianismo e do Confucionismo (e de outra religiosas chinesas)?
    Desde já, muito obrigada.
    Ass: Michele Aparecida Evangelista

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    1. Muito obrigada, cara Michele. No caso da China, bem diferente do Japão, os martírios foram em muito menor escala e bastante raros com os jesuítas, que tinham como linha de conduta não entrar em grandes enfrentamentos. Por outro lado, os imperadores eram bem mais abertos à diferença de pensamento, desde que sua autoridade não fosse contestada. Tanto que o confucionismo, o budismo e o taoísmo conviviam lado a lado. Na verdade, a prática de missionação da parte dos jesuítas se dava pela aproximação, na China, com a elite do mandarinato. Os primeiros contatos de Ricci e de Ruggieri serão os funcionários mandarins, alguns deles budistas, mas em sua grande maioria confucionistas, que já é um pensamento de maior abertura. Politicamente, a China era, naquela época, um império centralizado com a forte figura do imperador e um sistema de concursos que tornava os mandarins (neles aprovados) figuras de alto relevo na administração. Não havia, durante todo o período que estudei, nenhuma dúvida quanto a centralização imperial e seus representantes nas províncias, assim sendo os missionários europeus atuavam dentro de um quadro muito claro de relação de forças e os jesuítas não colocavam em dúvida o papel ou a autoridade imperial. Muitos deles trabalharam como cientistas e como artistas da própria corte e foram largamente patrocinado pelos próprios imperadores, o que se configura numa situação muito distinta da japonesa. Diversos funerais de jesuítas que se destacaram como cientistas foram pagos pelos imperadores, o que por si só já mostra o seu prestígio junto à Corte.

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  27. Amanhã será o encerramento deste evento. Agradeço a todos que estão lendo meu texto e colocando suas dúvidas. Sugiro que leiam também as respostas que dei para todas as perguntas, já que muitas vezes os assuntos se entrecruzam e uma resposta a uma determinada questão pode servir de esclarecimento para outras. Obrigada!

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  28. Os jesuítas iam para os territórios asiáticos levar a sua fé, e como nos mostra o texto os jesuítas obtiveram o consentimentos dos imperadores. Os imperadores não enxergavam estes jesuítas como uma ameaça a fé oriental?

    Assina: Maria Artenisia da Costa Lima

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    1. Olá Maria Artenisia. O que facilitou justamente o trabalho dos jesuítas foi o fato da China considerar mais importante a figura do imperador do que uma religião específica. Os chineses eram confucionistas, budistas ou taoístas, portanto as três correntes faziam parte da cultura do império. Enquanto o cristianismo não enfrentou diretamente o funcionamento da sociedade, ele não foi um problema. Isto não quer dizer que não houve conflitos localizados e, em pequenas comunidades bem mais do que nas grandes cidades, alguns padres foram agredidos e, em casos mais raros (falo até o século XVIII) também houve martírios. Mas, na China, comparando-se com o Japão, isto foi bem menos frequente até o século XVIII. No século XIX, por ocasião da revolta dos boxers e do recrudescimento do nacionalismo xenófobo, houve, sim, casos de martírio em maior número. Entre os séculos XVI e XVIII houve um claro, marcado interesse da parte dos imperadores em ter os chamados jesuítas-cientistas na corte, a seu serviço, em diversas funções. Eles teceram relações importantes com o mandarinato, que era a elite letrada, o que também facilitou e muito a integração. Acho que estas realidades favoreceram a presença dos missionários jesuítas: o comportamento não exclusivo do confucionismo, a adaptação dos inacianos às regras da sociedade chinesa, sem buscar enfrentamentos em uma atividade missionária muito radical e sua importância como cientistas, que era muito prezada pelos imperadores e por seus mandarins.

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  29. Professora, o caso chinês ocorre também como a missão no japão, o que diferencia a situação chinesa da japonesa?

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  30. Olá Rodrigo, A maior diferença é o contexto encontrado pelos jesuítas. A China é um império centralizado, o imperador é uma figura forte, cujo poder é uma evidência. O Império do Meio, apesar da queda e ascenção de diferentes dinastias, não apresenta o cenário político conturbado como o japonês, com as disputas de poderes internos. Não há nenhuma dúvida para os jesuítas que eles têm que conquistar a admiração do alto mandarinato e do imperador e este grupo de poder, no caso chinês, é bastante coeso. Por outro lado, o confucionismo que é a espiritualidade dominante entre o mandarinato, não chega a apresentar maiores problemas para que os jesuítas a ele se adaptem e só bem mais adiante é que a intransigência de alguns missionários e do próprio Vaticano vão prejudicar o trabalho dos inacianos com a Querela dos Ritos e a recusa em aceitar os rituais confucionistas de culto aos mortos. Fora isto, a adaptação entre os comportamentos cristãos e os confucionistas se dá sem maiores choques. Esta mesma corte centralizada da China demonstrará, tanto na dinastia Ming quanto na Qing e apesar do fechamento do país ao exterior (talvez até por causa disto) o maior interesse em absorver os conhecimentos dos jesuítas. Há uma continuidade entre os imperadores que chamam astrônomos, matemáticos, pintores e arquitetos jesuítas para trabalhar na corte. Eu diria, então, que a diferença se deu mais pela diferença das próprias realidades chinesa e japonesa do que por diferença de método dos jesuítas. O método deles era muito semelhante, de buscar o conhecimento do idioma e a adaptação às realidades locais, o que havia sido largamente incentivado pelo visitador Alessandro Valignano.

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  31. corrigindo, "vai prejudicar"e não "vão prejudicar" ;)

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  32. Fascinante, é uma cultura admirável. Grato pela atenção, o tema e a resposta só fizeram me interessar mais.

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  33. Professora Carmem Licia Palazzo. Sabemos que na América o objetivo dos jesuítas era converter os nativos à fé cristã, além da tentativa de fazer da América um novo recomeço ao cristianismo, livre das corrupções do Velho Mundo uma vez que a Igreja Católica estava desmoralizada em muitos países após a Reforma Protestante. O trabalho dos jesuítas na América foi facilitado por alguns elementos, inclusive o fato de os nativos acreditarem (ao menos a princípio) que o europeu seria o deus branco conhecido em suas crenças. No entanto a tentativa dos jesuítas aqui são frustradas e acabam percebendo que os nativos apenas agregam os ensinamentos cristãos à sua crença pré-existente. Segundo seus estudos e suas fontes, no caso do Oriente quais eram as expectativas dos jesuítas e até que ponto a senhora considera que essas expectativas foram alcançadas?

    Ass. Nathálya Ferreira Raseira

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  34. Olá Nathália. No caso da China eu tenho refletido muito sobre a intensa atividade dos jesuítas como verdadeiros mandarins. Sei que nem todos compartilham de minha opinião, mas tendo lido muito sobre as atividades deles, parece-me que muitos estavam satisfeitos de ter encontrado no Império do Meio, com sua corte tão brilhante e culta, verdadeiros parceiros, entre o mandarinato, para debates intelectuais e troca de informações importantes. Nestes casos, a atividade intelectual dos missionários ocupava um espaço senão maior ao menos tão grande quanto o das atividades de catequese. por exemplo, quando muitos deles se encantam com o confucionismo, eles estudam os textos, Ricci chega a publicar um pequeno livro, Tratado da Amizade, cujo objetivo é mostrar para os letrados da China que os pensadores ocidentais, principalmente os da Antiguidade Clássica, tinham idéias sobre a amizade semelhantes às de Confúcio. E ele escreve este livro inicialmente em chinês. Eu penso, então, que este encanto do encontro cultural agrega esta busca do intercâmbio no mesmo nível, do diálogo com parceiros, o que os diferencia daqueles que estavam em atividade missionária nas Américas. Quanto a alguns casos específicos, como o de Giuseppe Castiglione, arquiteto e artista plástico que teve importantíssima atuação na corte imperial, há pouquíssimas referências a atividades missionárias efetivas, embora ele tenha comentado sobre a importância das conversões. Vi, na China, um filme sobre ele, figura até hoje respeitadíssima entre os chineses. Mas é uma análise delicada, houve conversões, é claro e houve padres jesuítas que se dedicaram a elas com afinco. No entanto, dada a milenar e sólida cultura chinesa, cultura da qual eles muito se orgulhavam, e ainda hoje se orgulham, a facilidade para a conversão foi bem menor do que nas Américas. E eu diria que o empenho dos jesuítas talvez tenha sido maior para o intercâmbio, para a aculturação do que para as conversões em si. No entanto sei que este meu posicionamento é polêmico, ainda que eu não o exprima de forma negativa. Acho que foi um mérito dos inacianos e eu os considero precursores de um certo tipo de interesse europeu pelo Oriente, já que foram efetivamente uns dos primeiros a divulgar na Europa imagens altamente positivas da China.

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  35. Relendo, acho que coloquei muitas informações no texto, pois me entusiasmei para dar meu posicionamento que é divergente, por exemplo, de autores jesuítas atuais que enfatizam a atividade missionária. Espero que tenha sido clara...

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  36. Olá Carmem, foi clara sim. Agradeço pelo esclarecimento. É curioso notar que os jesuítas atuaram de formas diferentes e com objetivos diferentes em cada região. Você acha que isso se explica pela sua característica de adaptação aos hábitos locais?

    Ass. Nathálya Ferreira Raseira

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  37. Sim, você tem razão. Acho que esta adaptação, que já vi ser chamada de "acomodação" faz parte das técnicas muito peculiares da Ordem. Ela já foi muito criticada, no passado, por franciscanos e dominicanos. Outro aspecto a ser considerado é o de que os inacianos valorizam muito o estudo, até os dias atuais. Observei que, no caso da China, os jesuítas formados pelo Colégio de Roma (atual universidade Gregoriana) tinham excelente nível, muito estudo, então isto talvez facilitasse também a integração. Matteo Ricci foi aluno de Clavius, considerado o maior matemático de sua geração.

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  38. No Oriente eles fundaram colégios e se responsabilizaram pelo ensino como ocorreu nas Américas ou nunca houve essa intenção?

    Ass. Nathálya Ferreira Raseira

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    1. O ensino na China era totalmente centralizado pelo mandarinato, com uma rígida preparação para os famosos exames imperiais, então eles teriam dificuldades para criar suas escolas. Em Macau eles criaram uma escola e um seminário, mas Macau era território arrendado para os portugueses, era um enclave português no império. Tinha administração própria. Muitos chineses e também outros asiáticos que viviam em Macau o frequentavam, no entanto não tinha relação com a escolarização dentro do Império. Funcionava como se fosse na Europa. Diversos jesuítas que depois entraram no império aprenderam chinês durante a temporada em que permaneceram na península macaense.

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  39. Boa noite professora. Primeiramente, gostaria de parabenizá-la pelo trabalho e agradecê-la por compartilhar seus estudos.
    Minha dúvida é sobre o trecho em que você que você fala sobre os conflitos entre inacianos e franciscanos. Como eles estavam distribuídos no território? Havia uma divisão entre regiões ou as barreiras eram mais "invisíveis" do que físicas?
    Obrigada.
    Fernanda Pereira dos Santos

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    1. Boa noite, Fernanda. Muito obrigada por suas palavras. Algo interessante a colocar sobre os franciscanos, que não faz parte do período que estudo mas que eu acho que vale à pena destacar, é o seguinte: o franciscano Giovanni de Montecorvino se instalou em Pequim/beijing em 1294 e lá construiu uma igreja, em 1299, e outra mais adiante, e em 1307 foi nomeado pelo Vaticano como Arcebispo católico de Pequim/Beijing!!! E tudo isto com o consentimento do imperador, que era um khan mongol (foi na época da dinastia mongol). Incrível, não? E pouquíssimo conhecido! Então, os franciscanos precederam os jesuítas na China! Quanto à sua pergunta, não havia jurisdições específicas, mas quando um grupo se instalava em um local, era normal que outro procurasse outra área. Os imperadores chineses reclamavam quando havia disputas internas entre os missionários. Os dominicanos também se manifestaram em oposição aos jesuítas, e uma oposição forte. vale lembrar também que houve, ainda na Idade Média e no tempo de Montecorvino, um embate entre cristãos nestorianos e franciscanos. Os nestorianos se opunham à atividade missionária franciscana!.Quando a dinastia Ming depõe a dinastia mongol Yuan, em 1368, inicia-se um período difícil para o cristianismo no império mas também para todos os estrangeiros, pois os Ming iniciam um processo de isolamento. Bem, eu me estendi um pouco na minha resposta, mas achei interessante dar esta informação sobre o pioneirismo dos franciscanos. Sobre o período que estudo e que corresponde ao auge das relações dos jesuítas com o mandarinato, não havia nenhuma divisão formal de território ainda que os jesuítas acabassem muitas vezes privilegiados porque investiam nos contatos pessoais com as autoridades e com o mandarinato, inclusive distribuindo muitos presentes. Outra coisa que me ocorre colocar aqui: embora o famoso seminário de Macau fosse jesuíta e o papel dos jesuítas ali fosse muito importante, havia igrejas dominicanas e agostinianas, entre outras.

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  40. Boa noite professora Carmen!

    O interessse dos Cristãos sempre foram difundir sua fé. Naturalmente os Jesuítas tentaram fazer isso naquela época, e para isso procuraram meios para conseguir a simpatia dos chineses e conseguir alguPm sucesso naquela época e região.

    Pergunto se não ocorreu um movimento contrário, ou seja, dos chineses tentarem também fazer com que esses padres mudassem a fé deles, e passassem a crer na fé budista. E ainda gostaria de entender o porquê os chineses também não tentaram fazer o caminho inverso dos ocidentais. Claro que atrás do interesse de evangelização dos chineses, também deveria ter algum interesse comercial por parte dos ocidentais. Esse interesse não exisia também da outra parte?

    Obrigado

    Paulo Roberto Pickler

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    1. Complementando a minha resposta, é bom lembrar que, no decorrer do período no qual ocorre a Querela dos Ritos e as desavenças entre os jesuítas e o Vaticano, o imperador chinês demonstra sua irritação pelo fato de que os católicos estão brigando entre eles em consequência das atividades dos missionários inacianos em território imperial. Os jesuítas foram francamente a favor de continuar aceitando que chineses convertidos ao catolicismo praticassem o culto aos ancestrais, um ritual confucionista. Tal prática, porém, virá a ser condenada pelo Vaticano e isto prejudicará de forma definitiva o relacionamento dos padres com o mandarinato e com o Imperador. O culto aos ancestrais é uma prática cultural chinesa, muito mais do que religiosa e os jesuítas certamente tinham entendido isto muito bem.

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  41. Boa noite, Paulo Roberto. Na verdade, diferente do caso japonês, a maioria dos chineses com os quais os jesuítas tiveram contato eram confucionistas e não budistas. Houve contato com alguns budistas, no entanto era o confucionismo a espiritualidade mais difundida entre o mandarinato. O Império chinês não tinha uma única "religião" mas, fora o culto ao imperador, que era oficial e obrigatório, os chineses eram budistas, confucionistas ou taoístas e às vezes uma mistura das três espiritualidades na sua cultura. Outra característica destas "religiosidades"é, até hoje, a de não serem "conversionistas". Não havia nenhum plano de converter os jesuítas ao confucionismo e ainda assim muitos deles se encantaram com o que leram e com o que ficaram conhecendo sobre Confúcio, principalmente a valorização da hierarquia, o respeito aos pais e os famosos exames imperiais, essenciais para alguém chegar ao cargo de mandarim. Não estava, portanto, inserida na cultura chinesa esta idéia de fazer proselitismo em relação a outros povos. Quanto ao comércio, o enclave português de Macau estava muito bem estabelecido, com regras próprias. O rei de Portugal em nenhum momento cogitou de colonizar a China neste período (século XVI ao XVIII), satisfazendo-se com um tipo de arrendamento de Macau e sabendo bem que o Império do Meio era uma potência que ele não conseguiria afrontar. E os chineses também lucravam com Macau! Num certo momento os chineses foram até beneficiados da ajuda portuguesa na península macaense contra a pirataria japonesa em suas costas. A situação era muito distinta do esquema de colonização/missionação que ocorria nas Américas. Não havia uma concentração de jesuítas portugueses e espanhóis acompanhando autoridades coloniais, pois estava fora de cogitação, até o final do século XVIII, colonizar a China ou entrar em guerra com ela. Os jesuítas eram de distintas nacionalidades e muitos deles desvinculados, como foi o caso da missão francesa, até do Padroado português. No século XIX, com as guerras do ópio, justamente os missionários estarão entre os primeiros a serem expulsos pelos chineses. Mas aí já em outro contexto.

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