Kamila Rosa Czepula

EM BUSCA DOS ‘CHINS’
Kamila Rosa Czepula

Em nosso breve texto, exploraremos a discussão sobre a importação dos ‘Chins’ como substituição da mão de obra escrava no Brasil, que se desenrolou em 1879. ‘Chim’ era o designativo para chineses no século 19 [‘chins’ no plural], e a contratação dos mesmos por diversos países da América tornara-se uma tendência. Para tal, acompanharemos o debate vinculado pela Gazeta de Notícias, periódico carioca que foi fundamental para o desdobramento da questão na época.

A Gazeta de Notícias
Foi em dois de agosto de 1875 que chegava às ruas do Rio de Janeiro o primeiro exemplar da Gazeta de Notícias, fundada pelos editores Ferreira de Araújo, Manuel Carneiro e Elísio Mendes, e pelos redatores Henrique Chaves e Lino de Assun¬ção. A folha, que aparentemente era muito semelhante aos demais jornais, propunha inovar e queria pra si as nomenclaturas de popular, barato, e liberal. A Gazeta de Notícias rompia cada dia mais as fronteiras do centro chegando aos cortiços, estalagens, bondes, barcas, bares, e em todas as estações da Estrada de Ferro [Barbosa, 1996; Asperti, 2006]. Com uma tiragem de 12 mil exemplares, a Gazeta de Notícias deixava claro para os seus concorrentes que “vinha para ficar”; por consequência da sua forte proposta literária, passou a empregar os escritores mais estimados da época, como Coelho Neto, Eça de Queiroz, Ferreira de Meneses, Aluísio Azevedo, Pardal Mallet e José do Patrocínio, que juntamente com outros colaboradores de renome, almejavam conquistar um público ainda mais amplo para o jornal. Para isso, além de um ótimo folhetim romance, a Gazeta de Notícias apresentaria todos os dias “um folhetim da atualidade. Arte, literatura, teatros, modas, acontecimentos notáveis, de tudo a Gazeta de Notícias se propõem a trazer ao corrente dos seus leitores” (Gazeta, 02/08/1875, p.1). José do Patrocínio tornar-se-ia também um dos mantenedores do jornal, e publicaria uma coluna dedicada inteiramente à política.

A Gazeta de Notícias tinha orgulho de se propor uma “imprensa imparcial”, que cumpria com o seu compromisso de informar seus leitores sem tomar partido. Na prática, entretanto, como destaca Marialva Barbosa (1996, p.65) nem essa imparcialidade existia, como também não havia a sua tão proclamada independência frente a grupos e facções políticas. Um exame mais detalhado das notícias anteriormente vinculadas pelo periódico, sobre a questão dos “chins”, revelaria que o jornal estava longe de ser neutro...

Os “chins” Sob a Prensa da Gazeta de Notícias
A partir, de setembro de 1879, os debates sobre a imigração chinesa na Câmara dos Deputados ganharam uma postura cada vez mais agressiva. Havia uma proposta em curso para que a mão de obra escrava fosse gradualmente substituída pela mão de obra asiática, o que partira ao meio a opinião pública da sociedade imperial brasileira. A Gazeta de Noticias, com a sua coluna fixa Diário das Câmaras, fornecia para seu público um resumo detalhado de todos os embates ocorridos nas sessões. Mas certa de que seu papel perante a sociedade ia pra além de apenas anunciar notícias e debates, a Gazeta se insere na discussão. José Patrocínio e Ferreira de Menezes, em suas primeiras alusões sobre o tema, deixariam evidente que precisavam opinar sobre o assunto.

José do Patrocínio, utilizando do pseudônimo Proudhomme, foi um dos primeiros a escrever sobre a questão. Lembremos que ele era um dos mantenedores do jornal, e possuía uma coluna apenas para si. Em sua visão, os resultados tanto do Congresso Agrícola de 78 quanto os atuais debates da câmara apontavam para uma manutenção do sistema escravocrata por meio da mão de obra chim. Patrocínio utilizava um tom irônico para demonstrar seu posicionamento, como podemos ver nesse fragmento:

“É crença geral que os chins não repugnarão trabalhar ao lado dos nossos escravos e sob as ordens dos nossos senadores. Não podemos, portanto, desejar mais. O próprio Sr. Martim Francisco terá ensejo de continuar a trazer para a tribuna o seu abdômen abbacial, e emittir as suas indigestões em forma de discursos onde a ideia definha e os arrotos gordurosos abundam. O neto de José Bonifacio poderá amanhã gritar: - morte aos chins, do mesmo modo que hoje grita: - chicote, prisão cellular, forca aos escravos. (17 de março de1879)”

Esse trecho poderia nos fazer supor algum tipo de preocupação humanística da parte do periódico, mas os autores da Gazeta não haviam mudado seu posicionamento em relação ao sentimento anti-chinês. Nos fragmentos subseqüentes, de autoria de Ferreira de Menezes, observamos que toda a carga de preconceito, longamente trabalhada e manifesta nas reportagens anteriores a 1878, é sintetizada em discursos francos e diretos sobre o receio do “contágio asiático”.

“O honrado Sr. conselheiro Sinimbu trata de salvar o futuro d”esta terra, mandando desde já contratar chins. Não serei eu quem censurea inoculação da gotta de chá no sangue nacional, todo de capilé ou de infusão de couves, ao que se diz. O chim não nos trará pouca cousa nas baforadas do seu ópio. O imperador agradecido pelo serviço prestado pelo Sr. Sinimbu, instituirá em sua honra a ordem da laranja da China e com tal augmentarão as rendas e os commendadores, que é do que precisamos, e não de doutores. (...) Fallando sério. Há objecções a oppôr ao Sr. de Sinimbú. A colonisação só tem razão de ser, com o colono que se assimile com o colonisador. Ora o chim se misturará ou não com o brazileiro. No caso affirmativo é um mal: no outro caso não vem prestar serviço algum a esta nacionalidade, porque do que precisamos é de trabalhadores, que sejam amanhã cidadãos e produsam cidadãos. Isto de viver e vêr-se o paiz dividido entre homens que trabalhem e outros que nada fazem. É acabrunhador e dizemos: é vergonhoso. Contra a syphilis nacional é de mister outras injecções, que não a do povo da porcellana, do arroz do ópio e o povo que atira os filhos aos porcos, quando entede que os filhos são por demais. Seja, portanto, feito, o Sr. Sinimbu com mantador da laranja da China e a esta vá sómente buscar-se o segredo da porcellana. Nós estamos antes no caso de mandarmos para lá certa gente, Juro que não vai allusão nem ao Sr. Sinimbú nem ao Sr. Gaspar  (23/03)

Esse trecho nos apresenta, de forma direta, a construção de um discurso contra os “chins”, assentado nos expedientes consagrados do Orientalismo do século 19 [Said, 1998]: os chins são fumadores de ópio, desonestos, propagadores de doenças, e contribuiriam para a “degeneração da raça”. Há uma preocupação notável com a possibilidade deles se estabelecerem e se misturarem com os brasileiros. Os trabalhos científicos da época corroboravam tais afirmativas, demonstrando que a perspectiva de importação dos chins seria uma verdadeira ameaça a nação brasileira.

De modo hábil, o jornal conseguia também direcionar suas críticas contra aquele que considerava o personagem central da proposta, o Ministro Sinimbú. Embora ele estivesse articulando a construção de um projeto nesse sentido, ele não era o único a pensar na viabilidade da mão de obra chinesa para o Brasil. Como vimos anteriormente, iniciativas diversas foram feitas nesse sentido, incluso por particulares. O Visconde Mauá, por exemplo, tentou empregar a mão de obra chinesa na construção de ferrovias, tal como nos Estados Unidos. Fundou uma colônia de coolies, na fazenda Atalaia, que foi noticiada na Gazeta como lugar de violência e morte, onde os chineses organizavam tribunais internos e executavam-se uns aos outros (20/07/1877). Esse tipo de noticiário simplesmente reproduzia o senso comum que se tinha dos chins. No entanto, os ataques centrados contra Sinimbú visavam desarticular essas iniciativas. É possível que, sem o apoio do império, se tornasse inviável continuar com a campanha pela vinda dos chineses ao Brasil; e nesse sentido, a Gazeta atuava de forma constante, tentando incutir um sentimento alarmista e catastrofista no público leitor.

Investindo em outro aspecto, Patrocínio (usando novamente seu pseudônimo de Proudhomme), apela para um “uso da inteligência” daqueles que promoviam o trabalho agrícola no Brasil:

“Uma observação, porém, impô-se desde já. Uma questão vital vem incidentemente á discussão do parlamento. Pela gravidade do assumpto era de suppôr que o ministério tomasse pelo menos a deliberação do dia, em que decidiu-se a elevar a rolha a altura de uma instituição parlamentar. A questão é nada mais nem menos do que saber se a grande propriedade deve ou não continuar por mais tempo a conservar-se pelo tremendo sacrifício dos nossos brios-a escravidão. (...) Por outro lado, a colonisação chineza desperta a maior resistência por parte d”aquelles que, pelo seu caracter e pelo seu talento, maior influencia podem ter juízo do paiz. (31/03)”

Habilmente, Patrocínio desvia a discussão para o problema fulcral sobre a Escravidão no país e a manutenção das grandes propriedades; do mesmo modo, ele usa uma estratégia de acinte contra aqueles que não concordavam com sua opinião. De certa forma, pois, ele deixava entender que aqueles que defendiam a imigração chinesa seriam ignorantes, e os possuídos de “juízo” não concordariam nunca com essa proposta.

Ainda assim, a Gazeta era um espaço de notícias que dependia de assinantes e de propagandas para sobreviver. Sua tão propalada “neutralidade” deveria ser mantida a algum custo, e isso pode explicar o surgimento de uma reportagem absolutamente destoante dessa linha central de argumentação. Um autor identificado como Luiz Morreau fez publicar, em 15/06/1879 o seguinte texto:

“O remédio de que se lançará mão não será novo, porque já foi experimentado com feliz êxito em grande numero de localidades, ainda menos necessitadas, inclusive nos Estados do Sul da grande Confederação Americana: é a introducção dos coolies ou trabalhadores asiáticos. Máo grado as disposições hostis da maioria dos nossos legisladores, philosophos que sacrificam a gloria da espécie a riqueza do paíz, não vemos outro recurso prompto, fácil e immediato; e, se o houvesse, já teria sido trazido para derrotar os panegyristas da emigração asiática. No entretanto, nações mais avisadas, do que nós, com tantas pretenções, não duvidaram abraçar o expediente. Foi por elle que se evitou o aniquilamento das grandes culturas da Havana, da Goyana e das Trindades. (...) Só com auxilio dos coolies se levantará a grande cultura brazileira; só com elles poder-se-há empregar capitaes para as transformações que o nosso trabalho necessita em mais de uma de suas applicações. Para comprovar a acceitação que tem tido a emigração basta considerar-se que desde 1855 a 1860 a média annual dos chins desembarcados em S. Francisco da Califórnia foi de 4, 530. De 1860 a 1865 foi 6, 600; de 1865 a 1870 attingiu essa média a 9, 311; de 1870 a 1875 passou a média de 13,000 e hoje a população chineza na Califórnia vai a mais  de 150,00 almas, como de tudo nos dá noticia a Revista dos dous Mundos de 1º de outubro de 1878. (..) Não é provável que as raças se fundam, havendo tanta tenacidade na raça asiática e a crença religiosa para impedil-o; mas ainda quando o facto se desse só poderia trazer-nos vantagens.”

Morreau se manifesta absolutamente favorável a imigração dos chineses, apresentando inclusive alguns dados sobre a situação dos mesmos na Califórnia – uma das experiências, junto com Cuba e Peru, as quais os defensores costumavam recorrer. Mas não devemos nos enganar: a Gazeta publicou esse texto na página 2 (ou seja, fora da capa), e Luiz Morreau não era um de seus repórteres ou colaboradores costumeiros, o que nos leva a acreditar que, muito provavelmente, a matéria foi paga para ser publicada.

O exemplo de Morreau nos mostra que a Gazeta era capaz de construir complexos expedientes para fazer valer sua argumentação. Seu texto passou pelas mãos da redação do jornal, e provavelmente não foi publicado sem antes ter se planejado uma resposta a altura. Com isso, é provável que o periódico estivesse dando espaço a um texto defensor da imigração chinesa apenas, e tão somente, para desconstruir essa proposta. O texto de Morreau não trazia acréscimos relevantes ao que já tinha sido discutido no Congresso Agrícola ou na Câmara. Também não fazia frente aos discursos de Nabuco, exaustivamente reproduzidos na Gazeta. Ao que tudo indica, pois, além de matéria paga, podemos supor que o texto foi publicado com a intenção deliberada, por parte dos editores, de ser desconstruído. Inócuo, ele desapareceria em meio a avalanche de matérias contra a imigração chim que ainda percorreriam as páginas no ano de 1879.

Em setembro, José do Patrocínio voltaria à carga contra os aparentes avanços dos defensores da imigração chinesa. Disparando à torto e a direito contra diversos parlamentares, que vão sendo citados ao longo do texto, Patrocínio enquadrinhava vários deles numa nota depreciativa, utilizando um recurso de aviltamento e escárnio para desvalorizar essa proposta (Gazeta, 08/09/1879). A retórica de Patrocínio consiste em desqualificar o projeto do governo de constituir uma comissão para avaliar a questão da imigração chinesa, incluindo uma missão ao país.

Assim, a Gazeta transitava numa dualidade argumentativa patente: ora o chim seria escravizado, ora o chim vinha acabar com a escravidão. Por um lado, pois, o chim era uma preocupação “humanística” e/ou higienista e racialista; por outro, ele era desinteressante aos donos das grandes lavouras. Parece evidente, aqui, a inspiração na retórica estratégica de Nabuco: separando a matéria principal em diversos pontos diferentes, poder-se-ia argumentar contra cada um deles de forma direta, sem que o conjunto precisasse apresentar uma coerência maior. Eliminando cada um dos argumentos segundo uma afirmação particular, ter-se-ia sua anulação e, consequentemente, o desmonte gradual da proposta como um todo. Um exemplo claro dessa estratégia fica evidente nesse outro trecho, quando o autor – anônimo – nos informa que o governo não é capaz de responder as suas objeções, de acordo como expediente comumente empregado pelos detratores da imigração:

“Se cada vez que se discute a questão da embaixada á China, mais nos aprofunda no espírito a convicção de que o governo não tem juízo formado a tal respeito. (...) A lavoura precisa de capitaes e braços, disse-se no congresso; o governo não tem capitaes para dar á lavoura, pensou em dar braços. Mas, como? O escravo escasseia, e em breve acabará; o europeu não emigra para aqui em escala sufficiente; o demais todas as nações da Europa procuram afastar d”aqui a emigração; occorreu então ao espírito do governo o trabalhador chinez, com uma qualidade predominante: é barato! E sem mais exame, sem mais estudo agarrou-se o governo ao trabalhador chinez. Em balde se lhe tem dito que a experiência, a melhor de todas as mestras, demonstra que o trabalho do chinez é má; que é péssimo o contacto do chinez, filho de uma raça degradada, rotineira, egoísta, atrasada. Nada importa, o governo quer o trabalhador chinez. E quando se lhe pergunta porque, quando se espera que elle opponha argumento a argumento, facto a facto, o governo ladeia a questão, deixa sem resposta as objecçoes e segue o um caminho atraz do ideal do barato: o trabalhador chinez. Ainda há três dias na camara, depois de um discurso notável do Sr. Manuel Pedro, digno deputado da Parahyba, discurso em que a questão foi encarada sob um ponto de vista muito elevado, pois que o hábil orador demonstrou que a importação chineza era um prolongamento da escravidão, o Sr, presidente do conselho respondeu com logares communs e nem ao menos disse qual o programa do governo na questão, programa que parece nunca tivera existido, pois que só agora, no fim da discussão, quando já está votado o credito, só agora diz que o chinez virá introduzir no paiz a cultura de chá e bicho da seda! (11/10/1879) 

Duas passagens são importantes aqui: a primeira, consistindo no argumento bem pensado de afirmar que, se o governo sabia o que estava fazendo, tentando trazer os chineses, então porque enviaria uma missão até a China para conhecer melhor a estrutura do tráfico de coolies? Obviamente, havia uma literatura disponível para embasar argumentos de ambos os gêneros (prós e contras), e uma missão de reconhecimento in loco era uma medida razoável. Todavia, a retórica aqui presente era de fazer supor que a dúvida não era companheira do bom senso, mas sim, da fraqueza e da incerteza. A segunda passagem, como dissemos, aponta para o problema dos representantes governamentais não serem capazes de responder as questões colocadas pelos opositores: “E quando se lhe pergunta porque, quando se espera que elle opponha argumento a argumento, facto a facto, o governo ladeia a questão, deixa sem resposta as objecçoes”. Os apoiadores da imigração eram eles, também, conhecedores em geral desses recursos retóricos, e provavelmente evitavam tais armadilhas – embora seu silêncio fosse entendido como sinal de anuência com as críticas. Mas qual silêncio? Afinal, era a Gazeta tinha por costume não lhes dar espaço.

Conclusão
A má fama do Brasil como um país escravocrata desestimulava fortemente a emigração, e no caso dos chineses não seria diferente. Com base em informações colhidas junto a ingleses e brasileiros (Lesser, 2001, p.57-8) – que contaram com apoio decisivo da Gazeta -, o Marquês Tseng (Zeng), na segunda semana de outubro (ou seja, poucas semanas depois da resposta de Sinimbú na Gazeta), rejeitou formalmente qualquer acordo de emigração para o Brasil, praticamente batendo o último prego no caixão deste projeto.

Apesar de Sinimbú ainda tentar insistir na questão, os apoiadores do projeto de imigração chinesa enfraqueceram tremendamente, e a questão começou a ser tratada pelo viés do humor e do escárnio: “A Imigração asiática passou a ser na imprensa oposicionista objeto de ridículo. O humorismo nacional fartou-se em demonstrações jocosas” (Costa, 1937, p.318).

De qualquer forma, as tentativas de trazer chineses diminuíram significativamente depois disso, e o assunto gradualmente caiu no esquecimento. Podemos considerar que a Gazeta teve um papel crucial no desenvolvimento dessa questão, mobilizando a opinião pública e organizando a edição dos materiais que seriam disponibilizados para discussão. Ao construir uma ponte entre os leitores e os bastidores da política, bem como divulgando os pareceres de intelectuais do período, a Gazeta conseguiu articular um discurso amplo e multifacetado, que trafegava entre as opiniões eruditas, o relato jornalístico e as considerações derivadas do senso comum.

A ação disseminada pela imprensa – da qual a Gazeta era a expressão mais popular -, conjugada com as opiniões abalizadas, criou um paradigma importante nos debates acerca da imigração, com o qual todos os povos não-europeus teriam que lidar posteriormente. Tal consideração nos revela que, desde o século XIX, a imprensa possuía um importante papel como formador de opinião. O distanciamento histórico nos permite contemplar as divergências e incoerências dos seguidos discursos vinculados pelo periódico contra a imigração chinesa: no entanto, a compreensão mais complexa e abrangente de todo o quadro do problema chinês não era uma tarefa fácil, e a velocidade das informações vinculadas atrelava o leitor – e por conseguinte, os debatedores – ao movimento e ao tempo das reportagens. Pode-se afirmar que a Gazeta alcançou um notável sucesso em enfraquecer o projeto imigratório asiático, bem como seria uma das principais articulistas contra a escravidão nos anos seguintes.

Referências
Kamila Rosa Czepula é mestre em História pela UNESP-Assis, SP. Agradecemos a Orientação do Prof. Dr. José Carlos Barreiro e ao financiamento da pesquisa pela CAPES.

A Gazeta de Notícias foi obtida junto a Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, no site www.memoria.bn.br
ASPERTI, Clara. A vida carioca nos jornais: Gazeta de Notícias e a defesa da crônica. Revista Contemporânea, nº 7, 2006.
BARBOSA, Marialva. Impresa, Poder e Público: os diários do Rio de Janeiro (1880-1920). (Tese de Doutorado) Rio de janeiro: UFF, 1996.
COSTA, Craveiro. O Visconde de Sinimbu. Rio de janeiro: Nacional, 1937.
CASTILHO, Marilena dos Santos Ferreira. Imigração chinesa para o Brasil: o discurso parlamentar. Assis: Tese, Unesp, 2000.
LESSER, J.  A negociação da identidade nacional: minorias e a luta pela etnicidade no Brasil. Editora Unesp, SP, 2001.
NABUCO, Joaquim.  Discursos Parlamentares 1879. Câmara dos Deputados Centro de documentação e informação-Coordenação de Publicações. Brasília, 1983.
SAID, Edward. Orientalismo – A invenção do Oriente pelo Ocidente. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1998.


15 comentários:

  1. Kamila, pode-se pensar que a mídia desde o século 19 continua a fazer a mesma coisa hoje em dia? vendendo a imagem que interessa ao capitalismo dos donos do poder?
    obrigada, Michelle Sato

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    1. Olá Michelle,
      São períodos distintos, com estruturas de mídias diferentes. Mas não dá pra negar que o ‘poder’ da imprensa daquele período se assemelha e muito com o de hoje, pois por meio da simples divulgação de um texto, era possível promover campanhas, reunir multidões, propagar ideias e formular consenso em torno dessas mesmas ideias. Desse modo, acredito que sim, desde o século 19 a imprensa vem manipulando discurso, escolhendo o que, e como determinado assunto deve ser abordado para o público. Contudo, não é só uma questão de vender uma imagem que interessa ao capitalismo dos donos do poder, mas também a ela própria.
      Grata pela pergunta!
      Kamila Czepula.

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  2. Olá Kamila, gostaria de saber se sua pesquisa mapeou os políticos favoráveis e contrários a presença dos "chins" no Brasil do século XIX? Mais precisamente, me interessa saber se os grupos políticos, "liberais", "conservadores" e "republicanos" se posicionavam uniformemente sobre a questão, ou se haviam rupturas dentro das agremiações políticas.

    Eduardo José Neves Santos

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    1. Olá Edu,
      Sim, dediquei uma parte da minha pesquisa a esse embate político entre contrários e favoráveis. Haviam muitas rupturas, e nem sempre as posições assumidas por esses políticos eram coerentes com sua afiliação, fosse ela ‘liberal’, ‘conservadora’ ou ‘republicana’. Assim como, as alianças políticas eram as mais bizarras possíveis, podemos encontrar, por exemplo,‘liberais’ e ‘conservadores’ contrários a contratação de ‘chins’ juntos, numa tentativa de unir argumentos para lutar contra um dos principais líderes dos ‘republicanos’, Quintino Bocaiúva, que era totalmente favorável a essa imigração. Todavia, havia um ponto que todos concordavam o de os trabalhadores chineses eram pouco mais que uma mercadoria.
      Grata pela sua pergunta =]

      Kamila Czepula

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  3. Oi,
    mas os chineses vieram ou não?
    Amanda Bastos

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    1. Olá Amanda,
      A imigração chinesa aconteceu, contudo, não em grandes proporções como as demais. Não há um número exato de quantos chineses imigraram para o Brasil no século 19, mas calcula-se algo em torno de 3 mil chineses.
      Grata pela sua pergunta!

      Kamila Czepula.

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  4. Olá Kamila
    A imigração de povos orientais no Brasil sofreu bastante com a ascensão dos discursos do chamado racismo científico, ao qual particularmente eu encontrei diversas alusões ao chamado "perigo amarelo". Nas suas pesquisas qual a relação você faria entre a imigração chinesa e os discursos racistas?

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    1. Olá Isaias,
      O chamado ‘perigo amarelo’ como já bem demonstrado por autores como Jeffrey Lesser (2001) e Rogério Dezem (2005) surgiu a partir desse grande debate que se fez a época em torno da imigração chinesa. Desse modo, as teorias racialistas estavam intimamente relacionadas com essa questão e a elas se somavam elementos de cunho político e econômico. Mas cabe destacar como os ‘intelectuais brasileiros’ do século XIX manipularam informações, e até mesmo inverteram discursos racialistas para moldar a necessidade, naquele momento, de justificar e convencer os seus demais compatriotas de que uma imigração chinesa em território nacional seria catastrófica.
      Grata pela pergunta! =)
      Kamila

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  5. Olá Kamila, parabenizo-a pelo belíssimo trabalho desenvolvido. Venho por meio deste, destacar um entendimento sobre tais acontecimentos do século XIX, visto que, o etnocentrismo era o mecanismo explicativo mais preponderante sobre tamanhos acontecimentos (expostos no texto). A antropologia perpassou por inúmeros momentos até chegar no seu atual relativismo pluralista cultural, desta forma, analisar outras sociedades colocando-as em seu particularismo é uma tarefa que todo professor das áreas das ciências sociais tende a fazer dentro de sua perspectiva de ensino - assim acredito. Pois bem, especificando-me em seu projeto, gostaria de questionar, não necessariamente atrás de uma resposta fechada, mas sim, aberta e especulativa; o Brasil, sendo um país pluralista e diversificado, mais especificamente pelas raízes africana e europeia. De tal modo, ao seu olhar sobre tal questão e, relacionando-se com seu texto, como podemos analisar tamanha questão no ponto de vista atual como um acontecimento que livrou a cultura chinesa à exposição preconceituosa do etnocentrismo brasileiro? ou seja, os “africanos” possuem uma gigantesca pluralidade, com seus inúmeros significados, dentro de inúmeras tribos e/ou povos, mas são rotulados meramente pela sua cor ou pela classificação continental vinda do ocidente: “Africanos”. Caso a imigração tivesse acontecido de forma mais completa, na sua opinião, o brasileiro teria uma melhor visão sobre o oriente conhecendo-o melhor, ou construiria mais uma barreira – assim como fizeram com a pluralidade africana - já que a mídia da época tornara-se contra tamanha imigração e, o eurocentrismo estava entrelaçado com os grandes “intelectuais” – formadores de opiniões – da época? Abraços.

    Victor Gabriel de Jesus Santos David Costa

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    1. Olá Victor,
      Muitíssimo obrigada! O número de imigrantes chineses e japoneses atualmente em nosso país é bem expressivo, no entanto, com exceção de Relações Internacionais, os estudos sobre as civilizações asiáticas no campo das Ciências Humanas ainda são raríssimos. Diante disto, a meu ver, mesmo que a imigração chinesa acontecesse em grande escala no século 19, não mudaria esse total desconhecimento que se tem hoje sobre as ‘culturas orientais’, pois só se estuda, e consequentemente se adquire conhecimento sobre o que se considera importante. Eis o cerne do problema, já que Infelizmente, as civilizações asiáticas como tantas outras em nosso país, apesar de comporem a nossa tão proclamada ‘pluralidade cultural’ não são tidas como relevantes.
      Abraço!

      Kamila

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  6. Oi Kamila, muito bom seu trabalho. É interessante perceber como o discurso racial ficou colocado na mídia no século XIX, porém percebesse no século XXI um discurso mais empático em relação a China na mídia, pois a veem como uma potência econômica. Sei que são períodos diferentes, a pergunta que lhe coloco é como você percebe a imigração chinesa pro Brasi na mídia no tempo presente ?

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  7. Olá Raphaela,
    Muitíssima Obrigada! Atualmente pouco se fala sobre a imigração chinesa na mídia, e quando fazem referência a mesma, como foi o caso da Folha de São Paulo em 30/04/2017, o título da matéria: “Nova onda de imigrantes chineses movimenta empresas e negócios em São Paulo”, deixa evidente que os discursos pejorativos manifestados pelos jornais do século 19 não se fazem mais presentes. Se antes havia uma negação aos chineses, hoje eles são bem vindos ao nosso país, e essa mudança não aconteceu por acaso. A China tem liderado com folga a compra de firmas brasileiras, só em São Paulo podemos encontrar várias empresas de tecnologia, montadoras de veículos de vários portes, bancos, pertencentes a empresários chineses.
    Abraço!

    Kamila

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  8. Olá Kamila, em determinados momentos do texto parece que "coolies" e "chins" são utilizados como sinônimos. Quais as diferenças que você vê entre estes dois termos?

    Mauro C. V. de Camargo Jr.

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  9. Olá, profa. Kamila.

    O periódico também chegou a se manifestar sobre as traduções de poemas de supostos autores chineses por Machado de Assis?

    Carlos A. B. Corrêa.

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  10. Olá Carlos,
    Nos exemplares que consultei da Gazeta de Notícias não encontrei nenhuma referência sobre essas traduções.

    Grata pela pergunta!
    Kamila

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